A partir dos anos 90 a capital paulista passou a ser rodeada por diversos pedágios e, em especial na Rodovia Castello Branco, a implantação das praças de pedágio causou grande comoção social. Agora o governo estadual de São Paulo deseja instalar pedágio também na pista central da Castello Branco, próximo das praças existentes.
Ocorre que ambas as praças são ilegais, pois violam legislação estadual da década de 1950, ainda em vigor. Parece tratar-se de movimento, dentro do governo, para que tal lei seja incluída dentre as que “não pegam”. Justo o Estado, que deveria defender a aplicação das leis.
A Lei Estadual 2.481, de 1953, dispõe acerca da taxa de pedágio (tributo criado pela Lei Estadual 784/1950) nas rodovias estaduais paulistas. No artigo 1º, parágrafo 8º, a Lei 2.481/53 determina —em termos claríssimos— que “não serão instalados postos de cobrança da taxa de pedágio dentro de um raio de 35 quilômetros, contados do Marco Zero, nesta Capital”.
Necessário caracterizar esta norma como um “imperativo negativo”, ou seja, especifica e requer que a administração pública e os particulares deixem de praticar um ato. Por isso, um dos grandes argumentos das concessionárias de rodovias, de que essa norma estaria em desuso, cai por terra. Ademais, em 22 de dezembro de 2006 a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo revogou centenas de leis, dentre elas a 2.480 e 2.482, ou seja, “pularam” a Lei 2.481, ora apresentada, que permanece em pleno vigor.
Possivelmente, a motivação para vedar praças de pedágio a menos 35 quilômetros foi estimular o comércio e a livre movimentação entre os municípios da Região Metropolitana de São Paulo e da capital, decisão inserida no cenário da explosão demográfica que ocorreu nesta área a partir da década de 1950. Porém, motivação diversa é a que propulsiona o atual governo do Estado de São Paulo, que, sabendo dos grandes congestionamentos que infernizam a vida dos motoristas que se utilizam das rodovias estaduais para chegar à capital, institui a cobrança de pedágio. Lembremos que o município de São Paulo depende da mão-de-obra que a região metropolitana oferece, sendo que o transporte rodoviário ainda é quase que a única opção para a região oeste.
Não obstante, qualquer ato que tenha instituído a cobrança de pedágios dentro do citado raio de 35 quilômetros é nulo. Isso decorre do princípio constitucional da legalidade, ao qual toda a administração pública está adstrita (artigo 37, caput). Disso temos que, ao contrário dos cidadãos, que podem fazer tudo o quanto não proibido por lei (artigo 5º, II, da Constituição Federal), a administração pública deve agir “secundum legem”, isto é, segundo os estritos preceitos legais. Além disso, não pode o administrador público, por simples ato administrativo, criar obrigações de qualquer espécie, principalmente quando isto implica na imposição de uma obrigação em desconformidade com a lei.
Quanto à suposta revogação da referida lei de 1953, para verificá-la, temos que nos socorrer das normas da LICC (Lei de Introdução ao Código Civil – Decreto-lei 4657/42). Como nos ensinam os mestres do direito, esta lei trata de norma de introdução a todo o ordenamento jurídico brasileiro, verdadeira norma sobre as normas, ou, ainda, norma de superdireito. O artigo 2º da LICC dispõe que a lei geral não revoga a especial anterior, senão expressamente ou por incompatibilidade. Desta forma, não havendo qualquer outra norma posterior à de 1953 que trate da distância dos pedágios em relação à capital, não há que se falar em revogação. Ainda , quanto à suposta convalidação dos atos, deve ser ponderado que os atos nulos não se convalidam com o tempo.
Atualmente a cobrança de pedágio ao redor da capital paulista é feita por meio de concessionárias, isto é, empresas privadas em regime contratual-administrativo de concessão. Para que houvesse esta concessão, foram realizadas licitações, determinadas por meio de atos administrativos que deram início a tais procedimentos e deram origem aos seus editais. Assim, a cobrança dos pedágios foi determinada por decreto do governador estadual, e não por lei. Desta feita, temos que no tocante à localização das praças de cobrança, são nulos os atos que as instituíram.
No caso da região oeste, tanto as praças de pedágio existentes na marginal da Castello Branco quanto as em fase final de construção no Rodoanel estão a menos de 35 quilômetros do Marco Zero e, por isso, a cobrança de pedágio não pode ser realizada. Como na Castello Branco já ocorre essa cobrança e no Rodoanel ela é iminente, a aplicação da lei deve ser buscada individualmente no Poder Judiciário, ou por meio de associações de classe, em ações coletivas.
Publicado originalmente na Revista Jurídica Última Instância, em 15 de dezembro de 2008 (Ano 2, número 734).
Para referências bilbiográficas (ABNT): ROSA, Renato Xavier da Silveira. A Capital Paulista e os Pedagios. In: Revista Jurídica Última Instância. Ano 2, n. 734. São Paulo: Última Instância, 2008. Disponível em <http://ultimainstancia.uol.com.br/new_site/artigos_ver.php?idConteudo=60154>. Acesso em 15/Dez/2008.
Crédito da imagem destacada: José Patrício/Estadão
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